Alunos e adultos de Minde aprendem “minderico” para revitalizar e salvar o dialecto
Na escola do 2.º e 3.º ciclos de Minde, concelho de Alcanena, 36 alunos estão a aprender o “minderico” no âmbito de um projecto de revitalização para salvar da extinção a língua secreta dos comerciantes de Minde e Mira de Aire.
Jessica Antunes, de 13 anos, a frequentar o 8.º ano, ouviu dos avós as primeiras palavras em “minderico”, com que agora constrói frases e escreve composições na sala de aula.
“As coisas são totalmente diferentes do português”, disse à agência Lusa a adolescente, residente na freguesia, admitindo que é “uma língua interessante”, embora “difícil”, que deseja continuar a aprender.
Este é, também, o objectivo da coordenadora da escola, Dulce Santos, que acredita ser possível continuar a ensinar o “minderico” se a adesão dos alunos se mantiver.
“A maioria está receptiva e gosta”, declarou, considerando que a justificação pode ser encontrada no facto dos alunos serem de Minde, mas também porque em casa “já ouviram falar do minderico”.
A circunstância de ser uma “novidade” na escola ajuda, igualmente, a despertar o interesse dos estudantes, reconheceu Dulce Santos, acrescentando outro factor a favor da aprendizagem: “A língua «minderica» acaba por ser curiosa, cada termo tem a sua explicação assente em figuras características e situações de Minde”.
Se a receptividade dos alunos continuar, a responsável garante que vai pedir ao Ministério da Educação autorização para leccionar esta disciplina como oferta de escola.
“A avaliar pela adesão que está a ter actualmente, penso que teria sucesso”, afirmou a coordenadora da escola, onde o “minderico” já foi adoptado na identificação do estabelecimento e das salas ou na tabela de preços do bar.
O trabalho de revitalização do “minderico” começou em Março de 2009 e é liderado pela linguista Vera Ferreira, que trabalha em duas universidades alemãs e no Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS), em Minde.
À Lusa, Vera Ferreira explicou que o projecto, com financiamento da Fundação Volkswagen no âmbito do Programa de Documentação de Línguas Ameaçadas, tem como “grande objectivo” que a “opinião pública conheça o “minderico” enquanto realidade linguística em Portugal”.
“O nosso objectivo é também o reconhecimento do “minderic” como língua minoritária e língua ameaçada”, salientou a docente, adiantando que o minderico é uma língua, embora não reconhecida politicamente, “porque tem todas as características que a caracterizam como tal”.
Exemplo disso é a “transmissão geracional, a inteligibilidade, o carácter emotivo, as características gramaticais ou a variedades de registos, formal, informal, escrito ou oral”, anotou.
Reconhecendo que a “realidade geográfica” de Minde, cercada por serras, potenciou o desenvolvimento da língua, a docente adiantou que o “minderico” começou por ser usado pelos comerciantes de têxteis nas feiras, estendendo-se ao meio familiar e à comunidade.
“Uma língua ameaçada não significa que é uma língua morta e o facto de que a língua é usada é o facto de que surgem novos vocábulos”, sustentou, apontando os termos para computador (“bruxo”), telemóvel (“xambel de estribo”) ou internet (“tece-tece do bruxo”).
Entretanto, está em curso o arranque de outras iniciativas na vila relacionadas com o tema, com a criação de um museu, a tradução de toda a sinalética da vila, a produção de um dicionário multimédia e aulas para adultos são para dar a conhecer a língua «minderica».
Da responsabilidade do Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS), de Minde, o projecto inclui ainda a distribuição, pelo Jornal de Minde, de fascículos para a aprendizagem da língua ou o aumento do número de estabelecimentos comerciais que adoptam o “minderico”.
Actualmente, na vila, apenas uma placa menciona Minde em «minderico», “Ninhou”, mas o objectivo é que a indicação de Lisboa surja associada a “Casal Grande”, Alcanena a “Cabaça Sem Miolo” ou Mira de Aire a “Terruja de Santo Estêvão” e que a direcção à auto-estrada inclua “carreirancha”.
No café O Estaminé, o «minderico» já entrou na lista e quem pede um café recebe um “joão da garota”, podendo acompanhar com uma “regatinha” (água).
José Achega, um dos proprietários, elogia a iniciativa, convicto de que contribui para recuperar o «minderico» que “estava a perder-se um pouco” e para “dinamizar a terra”.
Num minimercado local, a proprietária, Celeste Moura, tem os artigos traduzidos em «minderico», opção que tomou depois de frequentar a primeira edição das aulas para adultos e de se ter apaixonado pela língua. Tanto, que faz questão que as conversações no local de trabalho e até na rede social Facebook sejam em «minderico».
“Adoro o linguajar de Minde”, confessou Celeste Moura, natural de Torres Novas, considerando o vocabulário “facílimo” e só tem “pena de não haver mais gente a falar”.
No Museu de Aguarela Roque Gameiro, inaugurado em 2009, várias inscrições e as legendas que acompanham os trabalhos do artista que dá nome ao espaço surgem em «minderico».
“Era natural que num ambiente destes, com uma pessoa tão ligada às suas raízes, à sua terra, preservássemos a língua que é uma identidade de Minde”, justificou a directora do museu, Maria Alzira Roque Gameiro.
A responsável do CIDLeS, Vera Ferreira, que estuda o «minderico» desde o ano 2000, adiantou que a revitalização de uma língua não se faz por “puro romantismo”.
“Tem que haver necessidade da parte da comunidade e a comunidade «minderica» revela, de facto, essa necessidade”, referiu.
Por isso, o CIDLeS, organismo que se dedica à documentação e preservação do património linguístico ameaçado na Europa, tem em curso a criação de um dicionário multimédia bilingue (“piação” (minderico)/português), que vai ter “explicações semânticas, fonéticas, gramaticais e pragmáticas” do «minderico».
O estudo da emergência do vocabulário «minderico», projecto que foi proposto à Fundação para a Ciência e Tecnologia, e um documentário sobre esta língua ameaçada, são outros projetos do centro.
“O sonho será, depois, a criação de um museu interactivo e multimédia que coloque em relação directa a língua com a comunidade e a língua como meio de comunicação do dia-a-dia, sobre o «minderico» nos seus contextos, social, económico, político e cultural”, acrescentou Vera Ferreira, adiantando que a iniciativa deverá ser apresentada, ainda este ano, ao Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN).
*Lusa
Na escola do 2.º e 3.º ciclos de Minde, concelho de Alcanena, 36 alunos estão a aprender o “minderico” no âmbito de um projecto de revitalização para salvar da extinção a língua secreta dos comerciantes de Minde e Mira de Aire.
Jessica Antunes, de 13 anos, a frequentar o 8.º ano, ouviu dos avós as primeiras palavras em “minderico”, com que agora constrói frases e escreve composições na sala de aula.
“As coisas são totalmente diferentes do português”, disse à agência Lusa a adolescente, residente na freguesia, admitindo que é “uma língua interessante”, embora “difícil”, que deseja continuar a aprender.
Este é, também, o objectivo da coordenadora da escola, Dulce Santos, que acredita ser possível continuar a ensinar o “minderico” se a adesão dos alunos se mantiver.
“A maioria está receptiva e gosta”, declarou, considerando que a justificação pode ser encontrada no facto dos alunos serem de Minde, mas também porque em casa “já ouviram falar do minderico”.
A circunstância de ser uma “novidade” na escola ajuda, igualmente, a despertar o interesse dos estudantes, reconheceu Dulce Santos, acrescentando outro factor a favor da aprendizagem: “A língua «minderica» acaba por ser curiosa, cada termo tem a sua explicação assente em figuras características e situações de Minde”.
Se a receptividade dos alunos continuar, a responsável garante que vai pedir ao Ministério da Educação autorização para leccionar esta disciplina como oferta de escola.
“A avaliar pela adesão que está a ter actualmente, penso que teria sucesso”, afirmou a coordenadora da escola, onde o “minderico” já foi adoptado na identificação do estabelecimento e das salas ou na tabela de preços do bar.
O trabalho de revitalização do “minderico” começou em Março de 2009 e é liderado pela linguista Vera Ferreira, que trabalha em duas universidades alemãs e no Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS), em Minde.
À Lusa, Vera Ferreira explicou que o projecto, com financiamento da Fundação Volkswagen no âmbito do Programa de Documentação de Línguas Ameaçadas, tem como “grande objectivo” que a “opinião pública conheça o “minderico” enquanto realidade linguística em Portugal”.
“O nosso objectivo é também o reconhecimento do “minderic” como língua minoritária e língua ameaçada”, salientou a docente, adiantando que o minderico é uma língua, embora não reconhecida politicamente, “porque tem todas as características que a caracterizam como tal”.
Exemplo disso é a “transmissão geracional, a inteligibilidade, o carácter emotivo, as características gramaticais ou a variedades de registos, formal, informal, escrito ou oral”, anotou.
Reconhecendo que a “realidade geográfica” de Minde, cercada por serras, potenciou o desenvolvimento da língua, a docente adiantou que o “minderico” começou por ser usado pelos comerciantes de têxteis nas feiras, estendendo-se ao meio familiar e à comunidade.
“Uma língua ameaçada não significa que é uma língua morta e o facto de que a língua é usada é o facto de que surgem novos vocábulos”, sustentou, apontando os termos para computador (“bruxo”), telemóvel (“xambel de estribo”) ou internet (“tece-tece do bruxo”).
Entretanto, está em curso o arranque de outras iniciativas na vila relacionadas com o tema, com a criação de um museu, a tradução de toda a sinalética da vila, a produção de um dicionário multimédia e aulas para adultos são para dar a conhecer a língua «minderica».
Da responsabilidade do Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS), de Minde, o projecto inclui ainda a distribuição, pelo Jornal de Minde, de fascículos para a aprendizagem da língua ou o aumento do número de estabelecimentos comerciais que adoptam o “minderico”.
Actualmente, na vila, apenas uma placa menciona Minde em «minderico», “Ninhou”, mas o objectivo é que a indicação de Lisboa surja associada a “Casal Grande”, Alcanena a “Cabaça Sem Miolo” ou Mira de Aire a “Terruja de Santo Estêvão” e que a direcção à auto-estrada inclua “carreirancha”.
No café O Estaminé, o «minderico» já entrou na lista e quem pede um café recebe um “joão da garota”, podendo acompanhar com uma “regatinha” (água).
José Achega, um dos proprietários, elogia a iniciativa, convicto de que contribui para recuperar o «minderico» que “estava a perder-se um pouco” e para “dinamizar a terra”.
Num minimercado local, a proprietária, Celeste Moura, tem os artigos traduzidos em «minderico», opção que tomou depois de frequentar a primeira edição das aulas para adultos e de se ter apaixonado pela língua. Tanto, que faz questão que as conversações no local de trabalho e até na rede social Facebook sejam em «minderico».
“Adoro o linguajar de Minde”, confessou Celeste Moura, natural de Torres Novas, considerando o vocabulário “facílimo” e só tem “pena de não haver mais gente a falar”.
No Museu de Aguarela Roque Gameiro, inaugurado em 2009, várias inscrições e as legendas que acompanham os trabalhos do artista que dá nome ao espaço surgem em «minderico».
“Era natural que num ambiente destes, com uma pessoa tão ligada às suas raízes, à sua terra, preservássemos a língua que é uma identidade de Minde”, justificou a directora do museu, Maria Alzira Roque Gameiro.
A responsável do CIDLeS, Vera Ferreira, que estuda o «minderico» desde o ano 2000, adiantou que a revitalização de uma língua não se faz por “puro romantismo”.
“Tem que haver necessidade da parte da comunidade e a comunidade «minderica» revela, de facto, essa necessidade”, referiu.
Por isso, o CIDLeS, organismo que se dedica à documentação e preservação do património linguístico ameaçado na Europa, tem em curso a criação de um dicionário multimédia bilingue (“piação” (minderico)/português), que vai ter “explicações semânticas, fonéticas, gramaticais e pragmáticas” do «minderico».
O estudo da emergência do vocabulário «minderico», projecto que foi proposto à Fundação para a Ciência e Tecnologia, e um documentário sobre esta língua ameaçada, são outros projetos do centro.
“O sonho será, depois, a criação de um museu interactivo e multimédia que coloque em relação directa a língua com a comunidade e a língua como meio de comunicação do dia-a-dia, sobre o «minderico» nos seus contextos, social, económico, político e cultural”, acrescentou Vera Ferreira, adiantando que a iniciativa deverá ser apresentada, ainda este ano, ao Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN).
*Lusa
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