quinta-feira, 17 de abril de 2008

Tradições Populares

"O Lobisomen"

Regressando de um bailarico no Malhou, naqueles anos quarenta em que as noites de luar tinham mais mistério, um grupo de jovens ao passar pelo adro da igreja de Louriceira, deparou-se com um burro a pastar.
Logo apostaram em quem, nele montado, fizesse a volta mais rápida em torno da igreja e do cemitério.
Um minuto foi o tempo que o Jorge levou. Cinquenta segundos para o Manuel, cinquenta e cinco para o Chico… e chegou a vez do António que, tendo-se em conta de ser o mais esperto, tirou o cinto das calças e passou-o pelo pescoço do animal, a fim de tirar proveito para uma corrida mais rápida.
Dada a partida, logo o asno e o seu jóquei desapareceram na esquina pardacenta do cemitério. Mas porque o tempo corria muito para além do previsto e o cavaleiro não aparecesse, o grupo resolveu ir procurá-lo.
O jumento tinha-se sumido, mas o António ali estava estendido no chão, atrás do cemitério, inanimado. Chapada daqui, chapada do outro lado, o rapaz lá acordou e logo indagou do burro e do seu vistoso cinto, que tinha estreado pelas sortes.
Qual cinto, qual carapuça, procuraram, procuraram, mas nada.
No dia seguinte, na taberna do Bernardo, como sempre lá estava o Ti-Jaquim Maior, encostado ao balcão. Mas desta vez com o bonito cinto do António a apertar-lhe as calças.
Que teria acontecido?
Claro que só poderia haver uma explicação: o Ti-Jaquim Maior seria o tal lobisomen de quem muito se falava e temia e que, enquanto burro naquela noite, teria levado consigo, preso ao pescoço, o precioso cinto.
E daí ficou a “certeza” de que Ti-Jaquim Maior, às Sextas – Feiras, pela meia-noite, saía de casa e logo se transformava no animal de cuja pegada tinha pisado no primeiro cruzamento de ruas que encontrasse.
Então o infeliz seria burro, cão ou boi durante toda a noite até que uma alma caridosa pegasse numa vara com aguilhão e o picasse para se transformar, de novo, em ser humano.
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in “Nossa Terra, Nossa Gente” – José da Luz Saramago
Publicado no Jornal “O Alviela” em 09.05.1997
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E assim vivia o povo com as peripécias, contos e histórias populares em épocas remotas!...