sábado, 12 de abril de 2008

Outros Tempos... Outras Épocas...

O “Salto” Mortal

Na década de sessenta, muitos foram os nossos conterrâneos que “deram o salto”. Assim se designava, popularmente, a emigração clandestina.
Pedia-se dinheiro emprestado, a juro, a um qualquer usuário para se entregar ao engajador que podia ser o “Trinta” ou o “Catanha”.
Estes conduziam os pretensos emigrantes até à fronteira e, quantas vezes, ali mesmo, os abandonavam. Pelas prisões de Vilar Formoso e de outras terras arraianas passaram muitos dos nossos conterrâneos que viram frustrados os seus intentos e perdido todo o seu dinheiro que, pelas suas contas, deveria chegar até arranjarem trabalho em França.
Quando a fronteira portuguesa não constituía maior obstáculo, ei-los escondidos noites e dias em camiões como qualquer mercadoria, outras vezes a pé por vales e serras, cansados, esfaimados, ansiosos.
Só por isto o emigrante português merecia um monumento em sua honra.
Chegados, também a vida não era fácil: o alojamento na barraca de um amigo, a língua, adaptação ao meio, os transportes, tudo! Tudo era diferente, tudo era desigual.
Muitas estórias para contar mas um drama para salientar:
Um grupo de louriceirenses vivia em comum numa casa gélida. Na noite de 16 de Fevereiro de 1965, Joaquim Russo acendeu a braseira e os gases desta viriam a matar o Jorge Vieira, o seu primo Domingos e outro português, além de pôr em risco de vida outros companheiros, como o Aquiles e o Zé Rato.
Na sequência desta tragédia, Joaquim Simão (vulgo Joaquim Russo) pôs termo à vida. O desespero de quem se terá julgado culpado da morte dos seus amigos.
Anos terríveis que os nossos conterrâneos enfrentaram mas compensados pela melhoria da qualidade de vida que hoje desfrutam.
Uns regressaram e vemo-los bem. Outros, ainda lá, sempre com a sua terra no coração, à espera do Agosto que nunca mais chega, de todos os Agostos para, num salto, virem abraçar as raízes.
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in "Nossa Terra, Nossa Gente" - José da Luz Saramago
Publicado no jornal "O Alviela" - 11.04.1997