terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Coluna de Opinião

Citamos na íntegra, o texto do Jornalista e Escritor Baptista Bastos, publicado no "Jornal de Negócios", edição online - 05.12.08
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A. A.

Obstinado Autoritarismo
(...)Cada vez se torna mais desagradável viver em Portugal. A cultura do autoritarismo, marcada por três séculos de pavor instilado pela Inquisição, e por cinquenta anos de fascismo paroquial, parece ter-nos estigmatizado. Definitivamente? O que tem acontecido nos últimos tempos é ...
O que tem acontecido nos últimos tempos é de molde a conduzirmos as nossas conjecturas para conceitos cada vez mais sombrios. O caso dos professores, que mobiliza muitos milhares de pessoas, e arrasta consigo a inquietação geral, representa mais uma parcela à soma dos nossos desencantos.
Notoriamente, o problema, que poderia ser resolvido com diálogo persistente, resulta de uma cegueira despótica já percebida pela sociedade em geral. O mal-estar espalhou-se e a obstinação governamental em não escutar as milhares e milhares de vozes protestatárias revela, não o autismo, mas a soberba de quem se julga detentor de todos os direitos, pela circunstância, meramente fortuita, de dispor de maioria absoluta.
Já havíamos experimentado, com os dez anos de cavaquismo, a reabilitação da melancolia, a recuperação da tristeza e a ressurreição da crispação social, cultural e política. Estabeleceu-se e estatuiu-se uma nova casta de mandantes, subdividida numa hierarquia que mais não era do que o mimetismo do chefe. Uma década desgraçada, cujos resultados começam a estar à vista. Dizia-me um amigo meu, militante do PSD, várias vezes governante: "Se o Oliveira e Costa, por qualquer motivo imponderável, decide começar a falar, temos um novo caso Casa Pia."
Maioria absoluta não significa, em democracia, absolutismo nas decisões. Ouvir o "outro", neste caso os "outros", faz parte do xadrez que possibilita todas as formas de soluções. José Sócrates não respeita, porque não aceita, essas regras basilares. E, no problema dos professores, Maria de Lurdes Rodrigues tem de obedecer à estratégia do primeiro-ministro. Ou, então, demite-se. Creio, no entanto, ser mais fácil ser demitida. Como o foi Correia de Campos, após a catastrófica passagem deste pela pasta da Saúde. Sócrates não desconhece o poder da rua, assim como não ignora que a esmagadora maioria dos atingidos por decisões malignas vota (ou votava, até agora) PS.
Pode-se governar sem maiorias absolutas? Claro que pode. Há numerosos exemplos por essa Europa fora. A questão é a de saber gerir, democraticamente, humanamente, a ordem dos interesses, a importância dos princípios e a grandeza dos valores.
Um governo que obtenha maioria absoluta não significa que seja o melhor. Significa, apenas, que recebeu o poder por parte de eleitores cansados com o governo anterior, ou que as circunstâncias históricas do momento assim o permitiram. Fazendo um paralelismo comparativo: é raro, no historial da Imprensa, um jornal conseguir grandes tiragens e associá-las a um total equilíbrio informativo. As grandes tiragens destinam-se a um público menos exigente ou mais propenso à leveza do que à reflexão.
Um dos grandes jornais portugueses é o semanário "Jornal do Fundão." Embora a tiragem seja reduzida (cerca de 30 mil exemplares) não deixa de ser significativa, sobretudo se atentarmos que a sua sede é na província, na Beira Interior. O jornal está aureolado de respeito e de consideração. A lista de colaboradores, ao longo da sua existência, é notável, e mais nenhuma outra publicação nacional se ufana de tal prestígio. O director, Fernando Paulouro, e a Redacção não cedem à facilidade, e defendem, com zelo e coragem, um legado profissional, ético e cultural sem paralelo.
Respeito e consideração, disse. As mesmas virtudes que se exigem dos governos. Perdem um e outro, logo-assim cometem perjúrio, incumprindo as promessas feitas ao eleitorado. Este, de Sócrates, então, bate todos os "records." E não só tem mentido, omitido e negligenciado como tripudiou sobre o conceito de "socialismo", dando-lhe um golpe, senão mortal, pelo menos extremamente violento.
Viver em Portugal é triste, fatal e desagradável. Nunca sabemos o que vai suceder amanhã, e receamos sempre que os acontecimentos de amanhã serão muito mais deletérios e contundentes do que os de hoje.

APOSTILA - Uma nova edição, agora pela Dom Quixote, de "Os Três Seios de Novélia", um dos grandes clássicos da prosa narrativa portuguesa. Manuel da Silva Ramos, o autor, escreveu um texto que nada tinha (tem) a ver com o que, anteriormente, era publicado em Portugal. É uma extraordinária aventura de escrita, de imaginação, de liberdade e de originalidade. Em Silva Ramos, porém, a originalidade não é uma procura: faz parte da sua natureza criadora, brota espontânea, luminosa e pujante. A ler ou a reler este singularíssimo livro de um autor único.(...)
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Baptista Bastos
b.bastos@netcabo.pt