quinta-feira, 27 de março de 2008

Tradições Populares



Márinho - 2º a contar da esquerda da fila de baixo.
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Uma (v)ida sem rumo

Na escola era um bom aluno. Sempre muito bem atilado, menino da sua avó, que o tratava com desvelo e lhe substituía os pais, que mal conheceu.
Nada faltava ao Marinho. Bem vestido, bem calçado dono da melhor bola de futebol, fazia inveja aos outros putos.
Cresceu com a bola nos pés e a Louriceira conheceu naqueles idos anos 50 a melhor equipa de futebol de sempre. Zé Rui, Sá Tó, Zé dos Santos, Parreira, Marinho e outros da turma, arrancaram em cada Domingo uma taça, um troféu ou um simples símbolo de uma vitória.
Marinho vivia apenas para isto. Sua avó sempre pensou que se arranjaria em Lisboa um bom emprego para o seu menino. Afinal ele era um craque do futebol…
No entanto a sua 4ª classe nunca chegou para aquela ambição.
Chega a idade de ir à tropa e o Regimento de Caçadores atira-o para a primeira linha na guerra de Angola.
Marinho regressa dois anos depois, irreconhecível, doente, mentalmente destroçado, correndo sem rumo, de noite e de dia, as ruas da aldeia.
Sem apoio, porque a sua avó falecera, sem família, o ex-craque deambulou e desapareceu.
Muitos anos depois aparece na Louriceira, meio descalço, meio despido, cara escondida atrás duma barba de anos, sujo, de saco às costas, amparado a um pau. Logo que foi reconhecido sumiu-se…
Sabe-se hoje que é um dos muitos “sem abrigo” que vegetam por Lisboa. Aquela cidade sonhada para um bom emprego.
Não pede nada a ninguém. Vive (?) da caridade de quem lhe oferece. Demente, percorre a cidade sem paradeiro certo.
Necessita (necessitava, logo que regressou da guerra colonial) ser tratado da doença de que foi vítima.
Hoje, que tanto se fala de solidariedade, haverá por aí que cuide e trate do Mário Grilo?
Seria bem melhor do que nos ficarmos pelo ditado: “Quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga».
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in "Nossa Terra, Nossa Gente" - José da Luz Saramago
Publicado no Jornal "O Alviela" - 17.01.1997