quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Meio Ambiente


As cabras das serras de Aire e Candeeiros podem salvar a gralha-de-bico-vermelho

Os queijos e a carne de cabra das serras de Aire e Candeeiros vão salvar a gralha-de-bico-vermelho, espécie em perigo de extinção. Pelo menos essa é a aposta da Quercus, da Vodafone e da Cooperativa Terra Chã. O projecto de cinco anos, no valor de 150 mil euros, é apresentado no sábado.
O Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal tem uma página dedicada à gralha-de-bico-vermelho por razões óbvias. Apesar da espécie Pyrrhocorax pyrrhocorax existir na Europa e na Ásia central, em Portugal, as alterações ao uso do solo estão a dificultar a sua sobrevivência. Ou seja, os locais onde a ave descobria os vermes e insectos de que se alimentava tornaram-se menos acessíveis porque, com o abandono da pastorícia e agricultura extensiva, estão hoje cobertos com arbustos.
Foi por isso que, numa discussão concertada, a Quercus e a Vodafone chegaram à conclusão que podiam reverter esta situação. Mas o projecto - que se enquadra no programa “Business & Biodiversity”, lançado no ano passado pela presidência portuguesa da União Europeia - não está dentro dos cânones da conservação. “O que nós queremos é voltar a colocar as cabras que fazem a 'limpeza' do terreno”, disse ao PÚBLICO Paulo Lucas, conservacionista da Quercus que faz parte do projecto.
O empreendimento começa por adquirir um rebanho de 50 cabras, que poderá chegar aos 200 animais, para uma área de 300 hectares. Vão ser restaurados estábulos e, sempre que for necessário, utilizar-se-á o desbaste mecânico para áreas com vegetação demasiado densa. As raízes do negócio ficam lançadas: com as cabras pode vender-se a carne, o leite e produzir queijos.
“Será preciso fazer o processo de certificação da carne”, diz Júlio Ricardo, um dos directores da Cooperativa Terra Chã. A cooperativa quer que a carne do cabrito seja considerada de qualidade, para acrescentar uma mais-valia. Quanto ao queijo, o director já está a fazer planos para uma parceria com a Cooperativa de Caprinicultura de Alcoberta que já tem as instalações para a produção do queijo.

Projecto de conservação quer promover populações locais

É este tipo de organização, sustentada em parcerias, que a Vodafone tem em mente. Quando sair do projecto, no final de cinco anos, a empresa quer que haja uma produção autónoma suficiente que mantenha o projecto. “A ideia é criar as condições económicas nos agentes locais e promover também o ecoturismo”, explica Luísa Pestana, directora de comunicação institucional e responsabilidade social da Vodafone.
O montante para os cinco anos pode parecer limitado, mas a Terra Chã diz que é suficiente. “A partir do primeiro ano articula-se com outras verbas”, sustenta Júlio Ricardo. A cooperativa já tem acordos com pastores que promovem caminhadas no contexto do ecoturismo pelas serras de Aire e Candeeiros. Depois, espera-se que a venda da carne, leite e queijo certificados seja o suficiente para manter a actividade. Todo o projecto poderá trazer uma nova dinâmica para atrair turismo à região.
Existe ainda subjacente a promoção da profissão de pastor, actualmente em declínio. No projecto, que tem também preocupações sociais e de melhoria das condições de trabalho, o rebanho vai ser tratado por mais do que um pastor, para que não se trabalhe semanas seguidas. Estes profissionais acabam por ser “agentes de conservação e de biodiversidade”, salienta Júlio Ricardo. No futuro, a Terra Chã quer envolver no projecto outros pastores da serra que já tenham rebanhos, fortalecendo o negócio e a profissão naquela região.
O projecto vai ser apresentado no sábado. A gralha-de-bico-vermelho vai ver os seus algares preservados. A manutenção das zonas onde a ave faz o ninho é uma das poucas medidas que visa directamente a ave e parece pouco para salvar a população. Mas se pensarmos que a aposta vai transformar o habitat a seu favor e que, se tudo correr bem, terá uma base económica que o tornará viável a longo prazo, então talvez dê frutos.
Hoje, a União Mundial para a Conservação (UICN) apresentou um relatório onde mostra que não deverá ser atingida a meta assumida pela comunidade internacional para, até 2010, aliviar a perda de espécies de aves. Mais. Longe de estar a abrandar, o ritmo de perda da biodiversidade está mesmo a aumentar. A gralha-de-bico-vermelho pode vir a ser uma excepção.
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In Jornal “Público” – secção Ecosfera – edic. 09.10.08