sábado, 6 de setembro de 2008

Coluna de Opinião

Transcrevemos na íntegra, mais um artigo de opinião do Escritor e Jornalista Baptista Bastos, publicado no Jornal de Negócios em 05.09.08.
A. Anacleto
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Fábricas de ociosos inúteis

Dificilmente acreditamos no discurso político. Esvaziados de ideologia (com excepção do PCP), desprovidos de convicções, reeditando o rotativismo suicida do século XIX, o PSD e o PS não são carne, nem peixe, nem arenque vermelho: apenas uma teia reticular de interesses e de cumplicidades. Conduziram-nos até ao nojo da política. Secaram as mais módicas assunções de civismo.

Serviram de péssimo exemplo aos mais novos. Aqueles sinistros agrupamentos de "jotas" mais não são do que máquinas de produzir inutilidades. Repare-se nos trajectos de antigos dirigentes "juvenis" de ambos os partidos. A canseira que acumulámos é proporcional ao exercício do ócio praticado por aquela gente.

É natural que desconfiemos de tudo e de todos, no que se refere a política. Os exemplos são propícios a duvidar da virtude. O recente caso de Paulo Portas, que ocultou, durante um ano, o pedido de demissão do seu vice, Luís Nobre Guedes, e o silêncio deste sobre o assunto, é significativo. Aliás, parece que o silêncio se tornou a regra da arte. Sócrates emudece quando se trata de esclarecer as origens da onda de violência que varre o País. Manuela Ferreira Leite reserva, para o próximo domingo, dia do encerramento, em Castelo de Vide, da Universidade de Verão do PSD a revelação da excelsa grandeza das suas ideias. A pátria, expectante e a arquejar, está de joelhos. Até lá, até se chegar a esse domingo luminoso, em que a verdade fundamental será dita como um sacramento, os cem jovens inscritos nos "cursos", terão de se contentar com aqueles graves senhores que lhes falam das venturas do porvir, consubstanciadas na admirável "social-democracia" do estimável partido. Na falta do gracioso intermezzo que lhes seria certamente proporcionado pelo alto sentido de humor do prof. Marcelo, escutarão, com embevecido assombro, o verbo eloquente do imenso socialista António Vitorino, que não está ali por engano.

O panorama permite-nos admitir que estamos perante uma cegada. A própria "estratégia do silêncio", da dr.ª Manuela Ferreira Leite, configura uma situação mais próxima do folclore que se censura do que da reflexão que se reclama. Naturalmente, há casos de escrúpulo e de pudor. Não os encontro na política. Mas conheço alguns em literatura, embora raríssimos, seja dito. A verdade, no caso vertente, é que a mudez da chefe do PSD devia ser correspondida pelo seu "staff." Sucede, rigorosamente, o contrário: os que têm falado só têm dito disparates e tolejos. A ideia de que o pensamento recatado é uma demonstração de seriedade, não conduz a parte alguma. A política, enquanto tal, é o exercício da relação com o outro, e, em princípio, a prática de um diálogo só interrompido pela arrogância – ou pela fragilidade, aliás, o esconderijo da arrogância.

A chamada "reentrada" nada traz de novo. Exactamente porque os partidos de poder deixaram de se comprometer com os problemas do nosso tempo. Os outros, retomam a interpretação partidária, por vezes engraçada e maliciosa, outras, repetitivas sobre o problema da relação entre fins e meios na política. Não há debate, não há polémica, não há empenhamento no uso de uma doutrina, de um projecto, de uma dinâmica. O mundo mudou e as chamadas "sociedades modernas" ainda não encontraram resposta. O neoliberalismo não encontra resistência, nem crítica, nem sistema de ideias que, pelo menos, o conteste com seriedade e lucidez. As reacções são meramente emocionais, quando não provocam o mais sonoro dos bocejos.

O aparecimento de uns vagos preopinantes de Direita pareceu, inicialmente, possibilitar uma interessante agitação. Tudo se resume a uma espécie de comentário jocoso, pouco original, inspirado no estilo de Vasco Pulido Valente, com pequenas e grotescas citações de autores anglosaxónicos. A diferença é que Pulido leu e lê, está atento à lazeira da pátria, e as suas grandes referências intelectuais encontram-se no chão cultural do século XIX português. O homem é um chato, um enfadado, há quarenta e tal anos que assim é. Porém, é um prosador de recorte, sobretudo quando é injusto na apreciação, o que, curiosamente, o torna mais atractivo, por mordaz. Todavia, até ele, neste momento, me parece um pouco fatigante, pela não oculta tendência em defender o indefensável: a dr.ª Manuela Ferreira Leite.

Nada nos encaminha para o júbilo. Tudo nos empurra para o desencanto. E, no entanto, é preciso acreditar que as coisas não podem permanecer, eternamente, nesta estrebaria moral. Depois do 25 de Abril, um grande poeta, Pedro Tamen, escreveu um poema lindíssimo, que continha este verso: "Agora, estar." A festa não durou muito. Não tivemos força para impedir o regresso do "reino cadaveroso." O que por aí se vê não é o resultado de uma vitória sobre a anarquia. É um monte de escombros, sob o qual ficou soterrado o mais exíguo sonho de felicidade.

APOSTILA – Lemos as listas dos "best sellers" (o Alexandre O’Neill chamava-lhes as "bestas céleres"), e já não nos surpreendemos com o rol de futilidades, de estropícios literários, de imbecilidades programadas que suscita o interessa (e a compra) do português. Não há uma, escassamente uma, minimamente uma só obra daquelas que marcam pela qualidade. Contudo, há-as. São devoradas pela onda de criminalidade literária. Desejo, somente, referir: "Portugal na Espanha Árabe", de António Borges Coelho, Editorial Caminho. É a terceira edição de um monumental trabalho de investigação e de amor, composto de quatro volumes e, agora, reunido num só tomo. Borges Coelho é um dos maiores historiadores portugueses de sempre. Como o seu escrúpulo e o seu rigor nada têm a ver com a feira de vaidades em que se transformou o nosso meio cultural; e a ignorância e o descaso adquiriram carta de alforria nos media – o nome de António Borges Coelho raramente é referido. Porém, é um intelectual de alto coturno, um português raro, um professor que a Universidade aclamou. Este "Portugal na Espanha Árabe" ensina-nos muito daquilo que somos, e da importância da cultura muçulmana no desenvolvimento da nossa própria compleição cultural. Depois, é escrito num idioma de lei. Tudo a concorrer para que os meus Dilectos adquiram este extraordinário texto. E se os jovens da Universidade de Verão do PSD frequentassem as páginas deste volume aprenderiam, certamente, muitíssimo mais do que com aquilo que ouvimos e vão ouvir.
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Baptista Bastos – Escritor e Jornalista