quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Coluna de Opinião

O Historiador Paulo Varela Gomes, publicou hoje no Jornal “Público, o artigo que reproduzimos na íntegra, por acharmos relevante o assunto abordado pelo autor.
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O Fim dos Tempos

Quando eu nasci na década de 1950 começava a acabar a civilização na qual tinham vivido os meus pais, avós e bisavós, na qual eu próprio viveria a primeira metade da minha vida, e que durava há praticamente 200 anos.
Na altura ninguém reparava nesse final de um mundo. Eu também só me apercebi muito tarde de que tudo estava a mudar. Creio que isso sucedeu quando deixei de viver na cidade e fui para o campo, no final da década de 1990. Na cidade só se dá pelos ganhos da mudança. As perdas passam despercebidas. No campo, pelo contrário, a presença simultânea das várias idades e civilizações, incluindo os tempos agrários, mais velhos que 200 anos, permite uma avaliação mais compassada daquilo que se altera.
Foi por viver no campo que comecei a prestar uma atenção especial à luta pela preservação da memória e pela conservação dos vestígios do passado próximo na qual se empenham cada vez mais pessoas na nossa civilização: todos aqueles que escrevem e querem publicar memórias, e que são cada vez mais. E todos aqueles que as lêem. Os que publicam e adquirem livros de fotografias antigas, fundam e frequentam museus de coisas do "tempo dos nossos avós", preservam objectos e sítios. O passado, o passado de cada geração e não apenas o passado histórico, tornou-se objecto de uma actividade que mobiliza e apaixona milhões de pessoas.
Ao começar a vir a Goa, e ao instalar-me aqui, tudo isto se tornou ainda mais claro para mim. Era dominante aqui a civilização europeia e a mudança faz-se nos mesmos moldes daquela que na Europa mas, neste pequeno território, as coisas aparecem intensificadas pela compressão da escala: desde a década de 1980, uns 30 anos depois da mesma mudança ter tido início no Ocidente, tudo começou a alterar-se com uma rapidez inusitada. E também aqui, em espanto e desorientação, se publicam livros de memórias e fotografias antigas, se fala incessantemente de como tudo mudou.
Muitos acham que a mudança em Goa tem que ver com a anexação do território pela Índia em 1961 e as suas consequências. Mas não. A própria Índia está a mudar. A mudança, em sítios que a Europa apenas tocou superficialmente como sucede com a maior parte da Índia, será certamente diversa daquela que decorre no Ocidente, desaparecendo ao mesmo tempo, muito rapidamente, as Índias que existiam até há 30 anos, a arcaica e a moderna.
Saber se esta mudança de civilização, entre o mundo criado pela Revolução Industrial e as revoluções burguesas, o mundo da grande cultura burguesa e depois da grande cultura moderna, e o mundo que agora está a nascer, saber se esta mudança é "para melhor" ou "para pior", é uma questão que só me interessa às vezes, e por razões polémicas.
A questão que me apaixona é saber para onde estamos a mudar. E porque é que estamos a perder na mudança o melhor da cultura ocidental dos últimos 200 anos. Muito do que tenho escrito ultimamente é sobre isto e é claro que voltarei ao tema.

Paulo Varela Gomes - Historiador